Pretendo, despretensiosamente, divulgar aqui ideias, pensamentos, acontecimentos, imagens, músicas, vídeos e tudo aquilo que considere interessante, sem ferir susceptibilidades.

Falando de tudo e de nada... correndo o risco de falar demais para nada!


quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Jaques Brel - La chanson des vieux amants

Claro, brigamos como todo casal
Vinte anos de amor, é um louco amor
Mil vezes você fez as malas
E mil vezes eu sumi
E cada móvel ainda se lembra
Neste quarto sem berço
De cada uma de nossas velhas brigas
Nada mais é do jeito que já foi um dia
Você perdeu o gosto pela vida
E eu o de conquistar você

Mas meu amor
Meu doce, meu meigo e maravilhoso amor
Do raiar do sol até o fim do dia
Não deixei de amar você, te amo

Eu conheço cada sortilégio seu
Você conhece cada um dos meus feitiços
Você me prendeu de armadilha em armadilha
E de vez em quando eu perdi você
Claro, você arranjou alguns amantes
Um caso, uma história passageira
Afinal o corpo precisa sentir prazer
Finalmente, finalmente
Foi preciso muito talento
Para envelhecermos sem sermos adultos

Mas meu amor
Meu doce, meu meigo e maravilhoso amor
Do raiar do sol até o fim do dia
Não deixei de amar você, te amo

E quanto mais os dias passam
Mais aumenta o nosso tormento
Mas será que a paz não é a pior armadilha
Para os que se amam?
Claro, você chora um pouco fora de hora
Eu sofro um pouco mais tarde
Não protegemos mais nossos segredos
Não existe mais espaço para o improviso
Desconfiamos de cada segundo que passa
Nessa doce guerra sem fim

Mas meu amor
Meu doce, meu meigo e maravilhoso amor
Do raiar do sol até o fim do dia
Não deixei de amar você, te amo

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Uma ida ao psicanalista...

Ana Luísa estava sozinha na Confeitaria Petúlia, na Rua Júlio Dinis, naquela manhã chuvosa e fria de inverno. Enquanto tomava a sua meia de leite e comia uma fatia da meia torrada, meditava na forma como havia decorrido a última consulta com o seu psiquiatra mais para ocupar a mente sem se preocupar minimamente com os seus problemas. Recordava-se que dessa vez não tinha chorado enquanto contava as suas preocupações diárias, ponto por ponto, página por página. 
Entretanto reparou nas muitas cadeiras vazias que a rodeavam e lembrou-se de como cresceu dividindo um quarto com mais uma cama vazia. A mãe dizia-lhe que era para quando a família aumentasse, o que nunca veio a acontecer. “Nunca tive ninguém ao meu lado”, pensou. Aqui, reprimiu um esgar de choro recordando-se que tinha sido por isso mesmo que se foi habituando a viver sempre em silêncio. Para desviar a atenção desses pensamentos negativos olhou para o exterior, onde uma chuva miudinha parecia segredar-lhe qualquer coisa de negativo.
Entretanto levantou-se, pagou a conta e saiu.
O consultório do Dr. Vicente de Mello, psicanalista onde ela regularmente ia por causa dos problemas que a atormentavam desde a sua infância, ficava no último andar do edifício do Shopping Center Itália. Portanto, mesmo em frente à Confeitaria de onde acabara de sair.
Enquanto atravessava o Largo Ferreira Lapa, olhou o relógio e acelerou o passo. Já estava atrasada uns dez minutos. 
No pequeno átrio do prédio, um letreiro cravado na porta avisava que o elevador estava temporariamente avariado.
Nervosa, abanando a cabeça, não teve outro remédio senão subir a pé as escadas dos sete andares do edifício.
Em cada degrau, indignada, pronunciava baixinho um palavrão diferente, à medida que ia subindo. Ficou admirada consigo própria pois comprovou que seu reportório de “palavrões” era muito mais vasto do que ela julgava.
Carregou finalmente na campainha da porta do consultório, cumprimentou o Dr. Vicente de Mello, entrou e atirou-se para o divã, ansiosa.
Deitada de costas, durante cinquenta minutos foi falando sem parar. Contou o sonho que tinha tido na noite de segunda para terça, em que o seu pai batia violentamente (e mais uma vez) na sua mãe.
Desta vez não conseguiu reter as lágrimas de revolta ao recordar o sonho, perante o imperturbável silêncio do Dr. Vicente de Mello, sentado atrás do divã onde ela estava deitada.
Prosseguiu os seus relatos, sem uma única palavra do psicanalista que nada dizia. Ela apenas lhe ouvia o respirar compassado atrás dela.
Aquele silêncio ajudava-a mais do que mil palavras. Sentia-se mais descontraída, menos nervosa.
O Dr. Vicente de Mello era na verdade um grande médico. Fazia-lhe tão bem!
Respirou fundo. Ao fim dos 50 minutos calou-se finalmente, aliviada.
Levantou-se do divã, ajeitou o vestido, levantou-se e olhou-o para lhe agradecer.
O médico, na penumbra do consultório, sentado na cadeira por trás do divã, de cabeça pendente e um ténue fio de saliva a escorrer-lhe pela comissura dos lábios, dormia profundamente...

Ela, furtivamente, saiu do consultório…

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Devaneios "virais"...

Este assunto não vem a propósito de nada, escusam de me perguntar o que se passa! - são apenas devaneios, enquanto luto com este maldito virús que tanta febre e desconforto me causa. Às vezes pergunto-me porque raio sou assim, porque é que tenho sempre que dizer tudo aquilo que penso, expondo despudoradamente tudo aquilo que sou. Alguns amigos (poucos) dizem en passant (e como a não quererem dar importância à coisa) de que dizer-se tudo aquilo que se pensa reduz o nosso leque de amigos. Sobretudo quando falo, ou escrevo, sobre política e/ou políticos.
Ora! Deve ser mesmo por isso! 
Penso que os verdadeiros amigos toleram e aceitam as diferenças. Por outro lado, acho que não é por não concordarem comigo que se afastam quando digo o que penso - até porque todos nós temos grandes amigos que defendem ideias contrárias às nossas - o que nos poderá afastar um dos outros é a falta de empatia! Essa falta de empatia, ou o estar em frequências diferentes, até pode acontecer entre pessoas com postura e ideias semelhantes.
Em conclusão: continuarei sendo eu próprio sempre e em qualquer circunstância.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Um livro não está no livro em si, mas está em nós... (II)

Uns anos mais tarde e depois de ler as obras-primas de Henry Miller, Trópico de Câncer e Trópico de Capricórnio, compreendi finalmente a razão pela qual o Senhor Raul de Sá Correia achou (e bem) que eu, com aquela idade, ainda não tinha a maturidade intelectual e emocional necessária e, portanto, ainda não estava à altura de os ler sem que isso me viesse eventualmente a prejudicar. Nas conversas que fui tendo com ele ao longo desses anos foi deixando bem claro que, para ele, “a importância do livro não está no livro em si mesmo, mas sim no grau de preparação mental e intelectual do leitor”. Onde ele adquiriu essa convicção para mim foi sempre uma incógnita tendo em conta que ele não tinha preparação científica ao nível da pedagogia e, muito menos, da psicologia.
O que é verdade é que ele tinha toda a razão e estava certo. O primeiro desses dois livros foi publicado, em França, em 1934, e foi imediatamente censurado em vários países, inclusive durante três décadas nos EUA, por ser considerado imoral e obsceno. Trópico de Capricórnio foi publicado originalmente também em França, mas em 1939, e foi banido nos EUA até 1961, por ser indecente, indecoroso e a tender para a luxúria.
Hoje em dia, quer um quer outro, são considerados obras intemporais da literatura mundial.
Voltando ao Senhor Raul de Sá Correia, quero relevar a importância que ele teve, com as suas palavras e os seus conselhos, para a minha formação global enquanto homem e cidadão. Ele sensibilizou-me para a importância do conhecimento e incentivou o meu gosto pela leitura. Ao longo de décadas há uma frase dele que me marcou, acompanhou e ainda acompanha: “...um livro não está no livro em si, mas está em nós…”.
Continuei a ler Henry Miller, lendo quase toda a sua obra. Foi um escritor com uma mentalidade muito “à frente” dos políticos da sua época. Para estes falar, ou escrever, sobre sexo era tabu, um tema intocável. Ele veio desmistificar esse conceito e conseguiu escrever sobre sexo de forma natural e mesmo divertida, contando anedotas sobre o tema sem ser pervertido ou obsceno como, injustamente, foi considerado no seu tempo. O problema não estava nele, e muito menos nos seus livros, estava, isso sim, nas pessoas que não estavam mental e emocionalmente preparadas para o ler.

Tudo isto me faz lembrar a anedota velhinha, atribuída (como tantas outras consideradas brejeiras) a Manuel Maria Barbosa du Bocage, a qual reza assim: “Bocage foi certa altura convidado para um jantar em casa de uma família nobre. No final da refeição, a anfitriã, enaltecendo a arte do poeta, insistiu para que brindasse os convidados com uma das suas estórias mas, pedia-lhe para que fosse comedido nos termos, dado a qualidade das pessoas presentes. Bocage fez um longo silêncio e como não encontrasse no seu reportório anedótico, algo que cumprisse os requisitos da Senhora optou por endereçar a todos uma simples adivinha. Então, voltando-se para os convidados, serenamente, perguntou-lhes qual é coisa que tenho neste momento entre as pernas, e que há bastante tempo me está a causar um certo incómodo devido à rijeza. As senhoras presentes, imediatamente abriram os leques e taparam com eles os rostos afogueados e os sorrisos maliciosos. Os cavalheiros levantaram-se dos assentos e protestaram não ser de bom-tom trazer para o convívio de pessoas nobres, um convidado de tão baixa educação. Gerou-se na sala um burburinho tamanho, que fez com que a anfitriã muito ofendida e envergonhada, pedisse ao Bocage para se retirar. Calmamente, Bocage levantou-se e antes de abandonar o seu lugar, voltou-se solenemente para todos os convidados e disse-lhes: minhas senhoras e meus senhores, temo que tenham retirado conclusões apressadas acerca da resposta à adivinha que lhes coloquei. Ao contrário do que imaginaram... aquilo que estava no meio das minhas pernas e me incomodava pela sua rijeza, era a perna da mesa.”

Tal como o livro não está nele próprio mas sim no leitor, também a obscenidade não está nela mas em quem a classifica desse modo.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Um livro não está no livro em si, mas está em nós... (I)

Já tive a oportunidade de aqui referir a importância que a Biblioteca do Museu Berta Cabral, em Vila Flor, teve no meu processo de ensino/aprendizagem. Sobretudo na forma como aprendi a organizar e a sistematizar as informações e os conhecimentos, a pensar e a encontrar respostas para os problemas que ia enfrentando.
De facto, foi aqui, nesta Biblioteca (que passei a frequentar aos 15 ou 16 anos) que sedimentei os meus hábitos de leitura.
Recordo que um dos primeiros livros que aqui li e que mais me impressionou foi "O Sorriso ao Pé das Escadas", de Henry Miller. A história criada por este grande escritor tem como protagonista um palhaço, Augusto, que consegue levar, como nenhum outro, o seu público à apoteose. O problema na vida de Augusto é que, apesar de conseguir levar alegria à vida daqueles que assistem aos seus espectáculos, falha absolutamente em conseguir ele próprio ser feliz. Por isso mesmo, decide abandonar o seu circo e partir em busca daquilo que o poderá realmente fazer feliz.
Ficou-me deste livro uma forte impressão e também a convicção de que é muito saudável adquirirmos a capacidade de rir de nós próprios.
Quando acabei de ler este livro pedi ao Senhor Raúl de Sá Correia para me deixar ler outro livro do mesmo autor. O Senhor Raúl, como carinhosamente o tratava, dedicou grande parte da sua vida na criação e manutenção desta biblioteca e a desempenhar, com zelo e dedicação, o seu cargo de Director do Museu. Para além de todas essas qualidades ele era atencioso e prestável para toda a gente e, especialmente, para os jovens que então frequentavam a Biblioteca.
Ao meu pedido ele respondeu mais ou menos assim:
- Olha rapaz, há livros para os quais nós temos de crescer até os podermos ler e compreender.
- Mas eu li este último deste autor... que compreendi e gostei muito! Respondi
- Bom! Então está bem. Espera aí que eu vou ver se te arranjo outro.
Depois de alguns minutos ele apareceu com o livro "Um Diabo no Paraíso", que li com sofreguidão. No final do livro pediu-me para lhe fazer um resumo. Deu-me uma enorme satisfação responder da seguinte forma: Sabe, Senhor Raúl, o autor neste livro faz a comparação entre a forma de viver dos europeus com a dos americanos ao mesmo tempo que nos obriga a avaliar a nossa atitude perante os desafios que a vida nos oferece. É uma exploração da ideia de copo meio-cheio/copo meio-vazio, que é uma metáfora característica da maneira de ser dos americanos.
Ele sorriu, acenou enigmaticamente a cabeça e respondeu: Muito bem, vejo que estás à altura de interpretar e retirar dos textos o essencial da mensagem mas… deste autor, por enquanto, não podes ler mais nenhum livro.

Só muito mais tarde compreendi a razão pela qual ele, nessa época, achou inoportuno que eu lesse mais livros desse autor...

(Continua)