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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Silêncio que fala e palavras que não se esgotam!

Vila Flor, 27 de Dezembro de 1975. Há 38 anos, precisamente.
Estava uma manhã fria e cristalina de inverno. A luz pálida do sol entrava pelas enormes janelas envidraçadas e era reflectida, de determinados ângulos, nos espelhos que forravam a parte superior da parede do fundo.
Tudo isso contribuía para o ambiente acolhedor que se desfrutava, naquele preciso momento, no interior do Café Avenida onde tomava tranquilamente o pequeno-almoço.
Tinha chegado a Vila Flor na véspera do dia de Natal vindo do quartel onde cumpria o serviço militar obrigatório e ainda estava imbuído de espírito natalício, embora algo nostálgico e introspectivo. 
Havia lá mais quatro clientes.  
Na mesa ao meu lado esquerdo, aquecida por uma das faixas de luz reflectida do espelho, estava um casal de idosos, meus conhecidos, cada um deles a beber o seu galão acompanhado com torradas bijou. Ele era um ex-empresário e ela professora primária aposentada.
Entre o ruído mais ou menos confuso e desordenado das chávenas, dos talheres e da máquina de café Cimbalino, era como se uma auréola de silêncio os envolvesse. Olhei-os discretamente (mas com atenção) e fiquei com a sensação que não diziam nada um ao outro, ou porque se entendiam mesmo sem palavras, ou... porque as palavras já se tinham esgotado há muito. 

As palavras esgotam-se com a vida? - Perguntei-me. 

Restava-lhes um incógnito olhar para os dois copos de galão vazios e uma presença ausente. 
No entanto, foi possível percepcionar o afecto, a amizade e o amor entre estes dois seres a emanar da profundidade dos seus silêncios.

Na mesa à minha direita estava um casal na casa dos 30 anos. Eram os proprietários recentes de uma das lojas das proximidades. O homem começou a levantar a voz à companheira. Não num tom agressivo, mas numa tentativa evidente de a anular e/ou desvalorizar. Percebi que a conversa era o prolongamento de uma discussão havida entre eles na noite anterior. Ele falava pelos dois e fundamentava a sua argumentação na inutilidade dela como companheira de vida dele.

O amor deve ser útil? - Perguntei-me.

- Nunca dizes nada de jeito! - repetia ele.
Ela nada dizia.
Restava-lhes um ar desconsolado para duas chávenas de café com leite tristemente vazias.

O casal de idosos levantou-se e saiu. Fiquei a vê-los pelo canto do olho. Deram as mãos carinhosamente e desapareceram lentamente na primeira curva, subindo a rua em direcção aos Correios da Vila. Levaram com eles o seu silêncio único. E revelador.

Ao meu lado direito a discussão agravou-se. Ela decidiu responder. 
Talvez as palavras não se esgotem sempre, mas era bom que às vezes o fizessem. Pelo menos foi o que pensei.

Paguei a conta e saí...

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