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terça-feira, 1 de outubro de 2013

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (XXXIV)

Já perto da fronteira de Barca D´Alva, mais precisamente em La Fuente de San Esteban, Zeferino acordou lentamente e, ainda estremunhado, olhou através da enorme janela para o exterior do comboio e pensou: quem disse que "quem olha para fora sonha e quem olha para dentro acordatinha toda a razão. 
Este pensamento veio-lhe à mente provavelmente por duas razões que no momento o impressionavam e agitavam os seus sentimentos mais profundos. 

Por um lado, devido à bela obra de engenharia que liga de caminho de ferro esta localidade espanhola a Portugal e que desfrutava e admirava à medida que ia olhando para fora
De facto, estes últimos 77 Km de linha permitiam-lhe apreciar cenários e paisagens verdadeiramente impressionantes por um traçado quase impossível de imaginar. Calculava que devia ter sido necessário um enorme engenho humano para construir 20 túneis e 13 pontes por entre graníticas e imponentes montanhas, num trabalho de dimensão faraónica que durou 12 anos, perfurando-se montanhas e unindo-se encostas, tudo para permitir vencer o isolamento secular das terras da província espanhola de Salamanca, permitindo desta forma que as mercadorias transportadas pudessem escoar os seus produtos, por mar, na cidade do Porto.

Por outro lado, porque quase no final desta inesquecível viagem, Zeferino ao olhar para dentro de si próprio, sentia-se confuso e com sentimentos ambivalentes. Ao mesmo tempo que sentia um certo mal estar (devido talvez a sentimentos de culpa) começou também a sentir saudades de Helena, como que acordando
Não sabia bem porquê mas à medida que mais se aproximava de Vila Flor mais saudades tinha. Já não a via há cerca de quinze dias mas parecia-lhe que a ausência durava há quinze anos. Na verdade, não fazia a mínima ideia se ainda continuariam a ser namorados depois de todas estas súbitas e apaixonantes experiências. Nestas duas semanas perdeu-lhe totalmente o rasto e nem sequer ocupou muito a sua mente e os seus pensamentos. Parecia-lhe que vivia num mundo lá longe, distante e inatingível.
O mais provável seria acabarem de vez com o relacionamento. De facto, ele vinha disposto a encarar a vida de um outro modo, mais sério e pragmático. 
Mas… naqueles momentos, sozinho no comboio, parecia que lhe ouvia a voz, que lhe sentia o cheiro e principalmente que a ouvia chamar pelo diminutivo do seu nome, que ela fazia de forma única, tão doce e com tanto carinho. A Lena, até agora, não tinha sido apenas a sua namorada. Tinha sido uma grande companheira, uma amiga, a sua melhor amiga. Quando andava mais triste era dela que ele se lembrava. 
Poderia parecer contraditório mas era exactamente pela consideração e amizade que lhe tinha que ele sentiu que tinha de ser totalmente sincero com ela e propor-lhe o fim... 
Teria, naturalmente, de ser politicamente correcto (se fosse capaz) e dizer-lhe que, se acabassem, deviam e podiam ficar amigos. Queria dizer-lhe também que a iria lembrar para sempre como tendo sido a sua primeira namorada e que aquilo que tinham vivido nessa fase tinha sido muito importante para ele e iria com certeza ter uma consequência forte para a vida inteira.
Teria de lhe contar todas as incidências desta viagem de ida e volta a Paris e, sobretudo, a forma como sentia o impacto de tudo o que viveu, de tal forma tão forte e intenso que lhe provocaram grandes alterações ao mesmo tempo que lhe haviam criado novos sentimentos que o levavam para o oposto daquilo que era a sua vida anterior. 

Zeferino agora sentia-me mais forte, não fisicamente mas mentalmente, agora não tinha de usar a agressividade para sobreviver no seu pequeno mundo lá no nordeste transmontano. 
Sentia, isso sim, que neste novo e grande mundo que descobrira, ele só tinha de usar a sua mente, e mais importante, o seu coração. Agora ele sentia alegria, sentia-se livre e com autonomia para viver sozinho. 

Agora ele sabia o que era a felicidade...
(continua...)


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