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terça-feira, 10 de setembro de 2013

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (XXXIII)

Zeferino empreendeu esta caminhada na certeza de que iria chegar a bom porto, munido do propósito firme de fazer a viagem sozinho e à sua conta e risco.
Pelas últimas e excelentes experiências que viveu sentia-se optimista e, assim animado, acelerou o passo para entrar na carruagem do comboio que lhe pareceu a mais vazia. Já algo cansado da pesada mochila que levava às costas encontrou um enorme e confortável banco só para si, onde se acomodou e sentiu que poderia descansar.
Ficou então imerso nos seus pensamentos e num estado de alma ambíguo e impreciso que não conseguiria descrever ou exprimir por palavras. Por um lado sentia-se triste por estar a chegar ao fim da caminhada e por outro sentia uma enorme e exultante alegria por tudo o que tinha acabado de viver.
Ora sentado, ora deitado no banco comprido com a cabeça pousada na mochila, ora levantando-se para desentorpecer as pernas, ia consumindo os quilómetros e a distância do caminho que lhe faltava percorrer.
Viajava praticamente sozinho na carruagem e, tendo encontrado um jornal espanhol abandonado num dos bancos, entreteve-se a ler as notícias que mais lhe prenderam a atenção, ao mesmo tempo que praticava a sua leitura em língua espanhola.
Ficou por exemplo a saber que Julio Iglésias se havia casado no dia 20 de Janeiro desse mesmo ano, em Toledo (Espanha), com Isabel Preysler Arrastria, que tinham passado a lua-de-mel nas Canárias e... que iria participar no Festival da Eurovisão com a canção Gwendolyne.
Leu ainda que o Grande Prémio de Fórmula 1 se havia disputado no circuito urbano de Montjuich, em Barcelona,  3 dias antes, a 18 de Abril de 1971. O vencedor tinha sido Jackie Stewart no seu Tyrrell. 
Na Guerra da Independência do Bangladesh, lutava-se ferozmente e diariamente eram violadas dezenas e dezenas de mulheres.
Depois de ler, deitou-se mais uma vez ao comprido no banco e o seu pensamento viajou mais rápido do que o comboio e... estacionou em Vila Flor. 
Mal aí chegou, ficou ainda mais triste. Descodificar as causas dessa tristeza era entrar nos obscuros labirintos duma análise tão real quanto inverosímil do mundo que aí o rodeava. Uma enorme indignação o invadiu de tal modo que nenhuma revolta o podia apaziguar… 
Considerava-se um rapaz pacato e globalmente bem comportado. Por isso não compreendia, nem aceitava, as alegadas razões pelas quais tinha sido castigado tão duramente (três dias de suspensão das actividades lectivas) pelo Director do Externato de Santa Luzia de Vila Flor que frequentava.  
O incidente tinha acontecido na tarde do sábado que antecedeu o final do 2º período desse ano lectivo. A música de um gira-discos animava os cinco ou seis pares que dançavam na sede do Vila Flor Spor Clube. O seu par tinha ido embora momentos antes com receio de que o pai descobrisse onde ela estava e o que andava a fazer. Encontrava-se, naquele momento, no passeio junto da porta de entrada da Sede quando, de repente, viu passar na rua que subia uma bela rapariga de largas ancas e fartos peitos, com andar decidido e mais velha aí uns quatro ou cinco anos do que ele. Não resistiu a mandar-lhe uns piropos. Sem a ofender, antes pelo contrário, para a galantear disse-lhe qualquer coisa como isto: - tens uma avançada melhor do que a do Benfica! És muito jeitosa! Queres vir dançar comigo?
Ela olhou para Zeferino e respondeu: - És um malandreco! Pensas que não te conheço? Pensas que engatas as raparigas todas? Vou já dizer ao Senhor Padre!
Ele não sabia mas o Lelo Pinto, que estava a seu lado, logo o avisou que aquela rapariga era a empregada doméstica do padre Cassiano Dimas Fais, que era também o Director do Externato.
- Mau, mau, então estou feito! Pensou Zeferino.
Nessa mesma noite por volta da hora do jantar, apareceu em casa dos seus pais uma patrulha da GNR(!) acompanhada pelo sacristão(!) dizendo ao pai de Zeferino para irem, sem demoras, a casa do padre.
Pelo caminho Zeferino disse a seu pai que sabia a razão pela qual lá iam. E contou-lhe o incidente dessa tarde em que eu tinha mandado uns piropos à criada do padre. 
Logo que entraram para o escritório do Padre este mandou sentar o seu pai numa cadeira que ficava ao seu lado direito, mas num plano inferior ao seu.
A Zeferino mandou-o ficar de pé e sem grandes rodeios, virando-se directamente para o seu pai, sentenciou:
-Pois aqui o seu filho tratou mal a minha criada que é para mim como da família! Deve educar melhor os seus filhos!
Depois, virando-se para Zeferino: Vais ter que lhe pedir desculpa!
- Eu!? Porquê? Que lhe fiz? - respondeu o assarapantado Zeferino
- Então não te meteste com ela dizendo que era "boa como o milho"?
- Não foi bem esse isso... não utilizei esses termos nem essa expressão. Mas era minha intenção gabá-la, elogiá-la e convidá-la para dançar.
- Com a minha criada ninguém se mete! Ouviste?
- Mas… se eu soubesse que era sua criada, mesmo sem a ter ofendido, nada lhe teria dito!
- Não quero saber! Vamos … pede-lhe desculpa! Já!!! Apontando o dedo indicador para a empregada, que entretanto também tinha entrado, ao mesmo tempo que o olhava de lado.
Zeferino olhou para a rapariga, que tinha visto pela primeira vez nessa mesma tarde, e perguntou-lhe- Eu ofendi-te? Fiz-te algum mal? Prejudiquei-te? Diz a verdade!
Ela olhou para o padre, baixou de novo os seus grandes, lindos e tristes olhos para o chão e... não respondeu.
Mas o padre não desistiu insistindo: - Tens que lhe pedir desculpa! Vamos, pede!
Zeferino, a tremer de revolta, virou-se para seu pai e suplicou: - Pai, vamos embora daqui - nós não merecemos esta humilhação!
- Filho, pede desculpa e vamos embora! Respondeu ele.
- Mas, porquê? Porquê?
- Anda lá, não custa nada!
- Mas, pai! Só lhe quis dizer que era muito bonita! Que simpatizava com ela. Não tenho que pedir desculpa por isso.
- Bom, como não tenho a noite toda para aturar a tua teimosia e má educação, sai já daqui! Imediatamente! Vai para a rua e espera lá pelo teu pai enquanto decido quantos dias vais ficar de castigo.
- Mas isso é uma injustiça! Eu tenho que ir às aulas! O meu pai paga as propinas para eu frequentar aquele colégio e o que aconteceu nada se relaciona com os meus estudos. Não tem o direito de aplicar esse castigo. Respondeu furioso Zeferino, saindo sem olhar para trás, e espumando de raiva e de revolta. Foi directamente para casa e contou a sua mãe o que se tinha passado. Esta respondeu-lhe que deveria ter pedido desculpa pois o padre ainda podia vir a prejudicar seu pai.
Passados alguns minutos lá chegou o pai, de chapéu na mão, com a sentença do Padre: três dias de suspensão das actividades lectivas!
- O quê? O que tem a ver a criada do padre com os meus estudos?
- Deixa lá filho não digas nada. Ele pode fazer com que eu perca o emprego.

Foi assim, a pensar no castigo que cumpria precisamente nessa primeira semana do terceiro período, que Zeferino adormeceu...
(continua...)

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