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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (XXX)

Ainda o sol não dava sinais de despontar no horizonte e já Zeferino se encontrava a pedir boleia de polegar esticado, no fim da Avenida Jean Cordier, em Pressac, no bairro periférico mais a sul de Bordéus.
Desesperado porque a maioria dos automobilistas que passavam o olhavam com desdém ou com ar de gozo ao mesmo tempo que outros abrandavam, dando-lhe falsas esperanças, e gritavam com a cabeça fora da janela frases desencorajadoras como: “vai de autocarro” ou, “não tens idade para andar à boleia.” Outros faziam-lhe manguitos e outros nem sequer o olhavam.
Até que ao fim de duas horas lá apareceu uma boa alma que parou o carro e lhe perguntou: - Para onde vais?
- Vou para Portugal – respondeu.
O motorista, um idoso de cabelo grisalho, deu uma gargalhada e respondeu-lhe: ohh, lá…lá! Não vou para tão longe mas se quiseres ir até Lesperon, podes entrar. 
- Onde fica isso? 
- É uma pequena vila já próxima de Bayonne, que é uma cidadezinha já perto da fronteira com Espanha.
Zeferino aproveitou esse rasgo de sorte e sentou-se sem hesitar nos estofos coçados de um velho Citroen. Suspirava aliviado quando ouviu o senhor a justificar-se: “Não costumo dar boleia a estranhos”, “Hoje em dia só se vêm assaltos violentos". “Sabe-se lá que malucos se encontram na estrada…”  
E lá foi conduzindo aos soluços, a uma média de 50 km/h, enquanto discorria um pouco sobre a sua vida dizendo que era reformado mas que ainda trabalhava mais do que muita gente no activo, etc. etc. Entretanto o carro era ultrapassado por todos os lados, mas o condutor parecia indiferente aos sinais de luzes e buzinadelas furiosas. “Passem por cima”, vociferava ele num tom colérico.
A determinado ponto da viagem, exactamente na estação de serviço de Labouheyre, Zeferino viu o senhor do velho Citroen encostar junto do Restaurante de apoio e dizer-lhe: - Vou demorar aqui cerca de meia hora, podes entrar e tomar alguma coisa, se quiseres.
Pois! Que alternativa tenho? Pensou. Por isso entrou, sentou-se e pediu um croissant com um sumo de laranja natural e ficou ali mais de uma hora sem fazer nada de interessante. Uma espécie hora vegetativa a ter pensamentos que ele próprio não poderia descrever, como se não fosse ele a tê-los realmente e não passassem dum ruído de fundo qualquer. Do televisor, por exemplo, ou da máquina de música que se encontrava encostada a uma parede mesmo junto da porta de entrada. 
Estava assim, neste estado apático, quando viu entrar uma mulher que se dirigiu directamente à casa de banho. Ao abrir a porta bateu de frente num homem que ia a sair. Ficaram ali uns segundos a falar um com o outro e depois acabaram sentados ao balcão, lado a lado. Primeiro com um banco de intervalo entre eles, depois ele moveu-se para mais perto dela. Pareceu-lhe que era a primeira vez que estavam a falar, mas talvez já se conhecessem.
Observou que a sala do restaurante estava quase cheia de camionistas, turistas e viajantes que deambulavam apressados entre as mesas já superlotadas e alguns outros de pé em frente do balcão. Ela contrastava pela quietude, pela calma, pelos olhos verdes melancólicos.
Zeferino, enquanto aguardava já impaciente pelo senhor da boleia, bem tentava evitar, mas não conseguia resistir a procurá-la com o olhar, por entre a azáfama constante de pessoas a entrar e a sair. Quando lhe parecia que os seus olhares se iriam cruzar procurava dissimular imediatamente. Mas ela nem reparava nele. O seu olhar, ora se dirigia para o seu interlocutor, ora se estendia para o exterior parecendo concentrar-se na chuva que entretanto começara a cair ininterruptamente. Ele a partir do momento em que se convenceu de que ela não reparava nele, encantado com a beleza do seu rosto, não conseguia mais desviar o seu olhar.
O tempo foi passando e quando os níveis de ansiedade já estavam no auge chegou, finalmente, o senhor da boleia fazendo-lhe sinal de que tinham de prosseguir a viagem.
Quebrado o encanto Zeferino levantou-se, chamou o empregado, pediu a conta, pagou e ficou de pé junto ao balcão esperando pelo troco. Enquanto esperava mesmo ao lado dela foi observando a sua silhueta perfeita, sob um vestido leve que contornava as suas formas e parecia acariciar-lhe o corpo. Ao virar-se para se ir embora ouviu-a dizer para o seu par num espanhol perfeito: - bueno me tengo que ir a Irún!
Zeferino, fez um pequeno compasso de espera e com convicção mas também com delicadeza e elegância dirigiu-se a ela: - desculpe, mesmo sem querer, ouvi dizer-lhe que ia viajar para Irun, eu estou em viagem para Portugal, pode dar-me boleia até lá?
Ela, depois de o olhar de alto a baixo, fixou-o directamente nos olhos e respondeu-lhe sorrindo: - sin duda, por qué no?
                                                                                                                                                (continua...)

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