Pretendo, despretensiosamente, divulgar aqui ideias, pensamentos, acontecimentos, imagens, músicas, vídeos e tudo aquilo que considere interessante, sem ferir susceptibilidades.

Falando de tudo e de nada... correndo o risco de falar demais para nada!


quarta-feira, 24 de julho de 2013

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (XXIX)

Zeferino ao chegar ao minúsculo quarto tomou mais um duche antes de se deitar. Esteve acordado durante bastante tempo e com a mente a divagar de lembrança em lembrança. Estranhamente, estar deitado naquele quarto parecia fazer ressuscitar com mais intensidade antigas memórias e velhas recordações. Algumas delas eram bem agradáveis, outras nem por isso pois traziam-lhe laivos de tristeza. A Lua estava tão brilhante que teve necessidade de apagar a luz do candeeiro e estender-se de novo na cama mas agora virado para a janela por onde o luar irrompia, lançando longas sombras que impregnavam as paredes do quarto de tons de cinza e prata.
Depois levantou-se inquieto e abriu a mochila de onde retirou uma esferográfica e o seu bloco de notas. Sentou-se na borda da cama, acendeu de novo o candeeiro e escreveu:
Bordéus, 20 de Abril de 1971
Se hoje eu falasse de saudade, falaria do teu cabelo macio e perfumado, desse teu aroma que me deixa quase embriagado, lembrar-me-ia da tua pele branca e macia e, também do teu sorriso tranquilo e franco.
Se hoje eu escrevesse sobre saudade, quem sabe, agradeceria aos céus por me terem lembrado de ti. Se hoje eu pensasse em saudade, não me lembraria só dos teus inflamados beijos, mas com certeza sofreria também lembrando-me dos teus toques, das tuas mãos e daquelas conversas longas e do calor do teu abraço, do quanto é bom ter teu corpo, mesmo de modo fugaz, no meu abraço.
Se hoje, só por hoje, eu sentisse saudade, não só me lembraria da tua face bonita, do teu corpo esguio e do teu contorno tão feminino, como também da tentação que é sempre chegar tão perto, sentir teu cheiro e não te poder tocar, apenas e sempre admirar.
Se por agora, neste momento, eu não sentisse saudade, talvez nem tivesse do que falar e muito menos sobre o que escrever, ah, mas que tolo sou, que não me permito a este sentimento, tão vazio de vaidade, tão vazio de orgulho e tão cheio de quase pranto, pobre de mim, com tantos motivos para viver e aqui isolado neste quarto a quase falecer de... saudade!

Depois, Zeferino, já mais calmo e relaxado, adormeceu com o bloco de notas ainda agarrado e aberto na página onde tinha acabado de escrever. Não era sua intenção adormecer naquele momento, mas acabou por mergulhar numa espécie de sono profundo como há muito não acontecia, preenchido pela sensação da presença de alguém muito próximo.
Quando despertou, os ponteiros do relógio indicavam as 5 horas e 30 minutos. A luz do quarto alterara-se.

Esfregou os olhos, tomou banho, pegou na pesada mochila, ajustou-a bem sobre os ombros e saiu… 
(continua...)

Sem comentários:

Enviar um comentário