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segunda-feira, 11 de março de 2013

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (XX)

Chamava-se Roland, era um agricultor e produtor ligado à produção de aves (galinhas, frangos, patos e gansos). Tinha 76 anos e era culto, educado e muito, mas mesmo muito, falador... 

-Então és um estudante português que vai à boleia para Portugal!!?? Começou ele logo que Zeferino se sentou no exíguo espaço que lhe sobrava no banco da frente da Renault 4. Deves ser completamente maluco, não!? Sabes que é muito perigoso viajar sozinho na tua idade, não sabes? Nunca sabemos quem nos dá boleia, pá... Por acaso comigo tens sorte, pá, pois eu sou um bom tipo, um tipo fixe, tás a ver? E ria-se… ria-se muito!

E continuou… posso dar-te boleia até Orléans pois tenho a minha quinta em Jargeau, que fica poucos quilómetros mais a Sul de Orléans. É aí que eu vivo e trabalho, fazendo criação de aves e cavalos de recreio. (…) Hoje vim a Paris, mais precisamente ao Ministério da Agricultura, para me inteirar dos pormenores técnicos necessários para a construção de uma nitreira lá na Quinta. Sabes o que é uma nitreira? Ah, bem parecia que não sabias... Pois uma nitreira é... bom... podes dizer que é um armazém onde podemos guardar os efluentes pecuários (estrumes e chorumes) no período que decorre entre a realização da limpeza dos pavilhões e a sua posterior aplicação nos solos… Mas não podemos construir uma "coisa" destas de qual maneira. Tem que obedecer a determinados requisitos técnicos: tem que ser impermeabilizada, possuir coberturas, devendo as escorrências geradas nesse armazém ser recolhidas e armazenadas para encaminhamento adequado, normalmente fossas sépticas com vala absorvente... tudo isto está regulamentado por lei e é esse técnico do Ministério da Agricultura que vai supervisionar tudo isso, estás a ver? (…) Tudo isto fica muito caro pois exige muita mão-de-obra para fazer a manutenção e inspecção periódica de todas as estruturas ligadas à recolha/drenagem de águas; para garantir as boas condições físicas do sistema e para assegurar a limpeza das instalações dos animais, etc,etc.

E assim foi a sua primeira boleia!
Durante os 120 km deste percurso da viagem, toda ela feita pela A10, M. Roland não se calou por um minuto. 
À entrada da cidade de Orléans ele deu duas alternativas a Zeferino: “ou deixo-te já aqui à saída da cidade e continuas a pedir boleia ou então vens comigo até Jargeau, vês a Quinta, almoças lá connosco e talvez eu te arranje uma boleia até à cidade de Tours pois o meu empregado Jean Paul vai lá esta tarde com um carregamento de ovos e de frangos”. 

Zeferino escolheu a segunda hipótese e lá foi até à Quinta de M. Roland que ficava situada na margem direita do Rio Loire. 
E não se arrependeu pois o local era lindíssimo! A exploração era constituída por diversas parcelas, perfazendo uma área total de cerca de 25 ha, dispondo, todas elas, de rega por aspersão. Em cada parcela praticava-se uma cultura diferente: desde o milho, à ervilhaca, ao trevo, à batata, ao nabo, à pastagem espontânea e à horta familiar. A Quinta formava um conjunto harmonioso e com uma paisagem toda ela “pintada” de verde que contrastava com o azul do céu, com o azul da água do rio e com o branco das casas e pavilhões que constituíam os quatro aviários da exploração.

Depois de terem visto toda a Quinta, que circundaram sem saírem do interior da Renault 4, foram ver as instalações, os aviários e uma enorme cozinha que servia de fábrica onde se produzia o célebre foie gras com o fígado dos patos e dos gansos.

Zeferino já tinha comido foie gras e sabia que tinha um sabor suave e levemente amanteigado mas nunca tinha entendido por que razão era considerada  uma das maiores iguarias da culinária francesa. Até porque o foie gras é o fígado inchado através de alimentação forçada. Ao ver a forma como esses animais eram super alimentados antes de serem mortos para lhes extraírem o fígado inchado e aumentado, Zeferino ficou profundamente horrorizado e agoniado. De facto, é muito cruel a forma de tratamento imposta a esses animais... eles diariamente são obrigados a comer, depois de já terem comido várias vezes... Sobretudo uns dias antes da matança e através de um funil muito comprido é empurrada, pelo pescoço abaixo, uma quantidade enorme de cereais misturados com gordura. O corpo destes pobres animais fica distorcido e o fígado fica seis a sete vezes maior do que o normal. 

Zeferino questionou M. Roland sobre este método agoniante que lhe respondeu: "quanto maior o fígado mais foie gras e quanto mais foie gras naturalmente mais lucro…"  
 (continua...)

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