Pretendo, despretensiosamente, divulgar aqui ideias, pensamentos, acontecimentos, imagens, músicas, vídeos e tudo aquilo que considere interessante, sem ferir susceptibilidades.

Falando de tudo e de nada... correndo o risco de falar demais para nada!


sábado, 4 de julho de 2015

Há sonhos inatingíveis…

Ao entardecer, no cimo da serra, o Sol descia mesmo por entre os pinheiros e as fragas de granito. Entretanto, a Vila, lá em baixo, espraiava-se, pela Estrada Nacional nº 215, desde a Volta dos Tristes, passando pela Fonte Romana, pela Praça da República, pela Capela de Santa Luzia, seguindo e ziguezagueando até ao Bairro da Serração com a sua Adega Cooperativa. Ao acompanhar visualmente todo este percurso era invadido pela tranquilidade que a pacata Vila me transmitia.
Entretanto o Sol continuava a sua descida. Parecia-me ao alcance da mão. Se eu lá chegasse... 
Ainda pensei em subir um pouco mais a Serra para lhe tocar, para sentir o seu calor a aquecer-me a ponta dos dedos, mas depressa percebi que não ia chegar a tempo porque quando atingisse o cume já o Sol teria descido por trás do outro monte.
Este pensamento que me ocorreu numa das muitas vezes que subi às Capelinhas, em Vila Flor, no período da minha adolescência, volta sempre que aí tenho o prazer de voltar. É um local que merece ser visitado para se poder desfrutar dessa beleza natural que se alcança com o olhar.
Da última vez que lá fui, fiz ao contrário. Levantei-me cedo e, ainda de noite, subi ao alto da serra e aí esperei pela alvorada no exacto local em que o tinha visto "esconder-se" tantas vezes... Sim, de madrugada lá estava, oculto entre os pinheiros, esperando que o sol aparecesse. Então sim, poderia "tocá-lo" e sentir a carícia dos seus raios na minha pele e no meu corpo todo.
Arrepiei-me, ansioso, com a claridade da manhã que anunciava a sua vinda, imaginando e deleitando-me com a antecipação do nosso encontro.
Minutos volvidos, vejo romper a fascinante bola dourada que, naturalmente, apareceu na cumeeira do outro monte à minha frente.

Agora, distante desse tempo e desse espaço, imagino-me muitas vezes no cimo da Serra, esperando aquela estrela, procurando o calor da minha vida cada vez mais longe, cada vez mais inacessível…



João de Sá explicou tudo em poucas palavras...

quinta-feira, 25 de junho de 2015

O sonho que ficou dentro de mim

Sonhei com Vila Flor. Um sonho cheio de caras, corpos, imagens e cheiros intensos. Apesar de me lembrar de todos os pormenores e detalhes não sou capaz de o contar. Estou chateado. Triste, também. E não sei porquê. Por vezes fico assim e interrogo-me: porquê? Porque sou assim? Que animal é este que hiberna dentro de mim para, de tempos a tempos, acordar assim deste modo furioso? É um animal muito mau. Não um animal feroz senão... estaria, com certeza, preso ali para os lados de Évora. Mas é um bicho que abre feridas e rugas e espalha bocados de desespero por todo o lado. Sou palerma. Sei que o sou. Mas, enfim, hoje guardo Vila Flor só para mim, com as Capelinhas, com a Fonte Romana, com as cerejeiras e com tinta preta escrita no papel de guardanapo, da Esplanada do Alex, que vai riscando o papel e deixando sulcos profundos pelas letras que, crescendo, parecem fantasmas de árvores mortas. As minhas palavras tornam-se ininteligíveis e… o sonho ficou dentro de mim.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Desabafando....

Tenho quase sessenta e dois anos. Gosto de boa comida portuguesa, de vinho, de uísque, de café e, claro, do Glorioso SLB. Tornei-me, há quase três anos, um aposentado precoce para tentar escapar a um tempo difícil da minha vida profissional. Tive de deixar cair pelo caminho um dos sonhos que tive durante várias décadas: o de estar permanentemente entusiasmado pelo meu trabalho. Fui perdendo o entusiasmo e os sonhos foram mirrando como frutos maduros.
Para, de certa forma, substituir os sonhos que foram morrendo aderi à blogosfera. Iniciei, desenvolvi e concluí o RAXAlebre.blogspot.pt onde tive a oportunidade de (tal como disse na sua página de apresentação) ir “caminhando” no presente em direcção ao futuro com "incursões" a experiências vividas no passado, carregando, nestas viagens de idas e voltas, as "marcas" de cada tempo, de cada espaço e de cada lugar por onde passei a nível profissional… e não só. Concluída essa tarefa, e cada vez mais entusiasmado com esta "coisa" da comunicação escrita, criei este blogue. Desde que isso aconteceu, precisamente no dia 1 de Junho de 2012, muita água passou debaixo das pontes. Neste momento sinto que peguei na minha vida toda e a espremi para um pequeno recipiente como quem espreme uma laranja ou um limão. Fiz o meu próprio sumo que bebi com toda a satisfação. Enquanto durou essa satisfação tive a oportunidade de ir bebendo ao mesmo tempo que ia alimentando o blogue. Agora sinto que não tenho mais essa satisfação e... o “sumo” também está a acabar.

Conjugando tudo isso com a dor que sinto quando me sento para escrever, prevejo que deixe de ter as condições necessárias para continuar a dedicar-me a este projecto que realmente se parece com mais um dos sonhos que fui deixando cair…

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Tédio

Fernando Pessoa quando diz: 
"Não sei o que faça, não sei o que penso" não encontra 
um sentido para a angústia que tem em si.


Há no firmamento
Um frio lunar.
Um vento nevoento
Vem de ver o mar.
Quase maresia
A hora interroga,
E uma angústia fria
Indistinta voga.
Não sei o que faça,
Não sei o que penso,
O frio não passa
E o tédio é imenso.
Não tenho sentido,
Alma ou intenção...
Estou no meu olvido...
Dorme, coração...

Fernando Pessoa, 11-3-1917

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Identidade perdida...

Pessoa é em si muitas almas diversas e estranhas:
"Sou minha própria paisagem, não sei sentir-me onde estou"
Cada momento mudei,
não sei quantas almas tenho,
continuamente me estranho,
nunca me vi nem achei,
de tanto ser, só tenho alma,
quem tem alma não tem calma,
quem vê é só o que vê,
quem sente não é quem é.





Atento ao que sou e vejo,
torno-me eles e não eu,
cada meu sonho ou desejo,
é do que nasce e não meu,
sou minha própria paisagem,
assisto à minha passagem,
diverso, móbil e só,
não sei sentir-me onde estou.




Por isso, alheio, vou lendo,
como páginas, meu ser.
o que segue não prevendo,
o que passou a esquecer.
noto à margem do que li
o que julguei que senti.
releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa, 24-8-1930

Bernardo Soares parece-se com Pessoa: «Atento ao que sou e vejo, torno-me eles e não eu».  

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Joan Baez e as minhas hérnias discais...

Eram 5 horas e 30 minutos dessa noite cerrada que nunca mais acabava e ainda não se vislumbravam sinais de que a luz do sol iria aparecer tão cedo. A dor e o desconforto não me deixavam dormir nem me deixavam fazer aquilo de que tanto gosto: ler e escrever.
É ensurdecedor o barulho que este silêncio faz!”. Esta citação que ouvira, ou lera algures, ajustava-se justamente àquele instante em que sentia a alma cheia de uma dose extra de dor, tristeza e… silêncio. Ao mesmo tempo que os meus ouvidos se "enchiam" com esse barulho silencioso, receei não me lembrar destes pensamentos/tormentos no momento em que, utilizando o teclado, os quisesse transferir para o texto.

É o que estou a tentar fazer neste momento… embora com medo de que a minha memória me traia mais uma vez e que essa mensagem se perca...

Voltando a essa noite. Enquanto percorria o escritório de lá para cá e de cá para lá, o pensamento levou-me para o dia em que tudo “isto” começou. Ou melhor para o dia em que verdadeiramente tomei consciência de que tinha este problema. Na verdade já tinha ido ao médico no dia anterior mas foi só no dia 31 de Março de 2015 que senti, a sério, os efeitos maléficos do meu problema. Paradoxalmente isso aconteceu no exacto momento em que concretizava um sonho de décadas e batia palmas a um ídolo musical da minha juventude. Batia palmas ao mesmo tempo que uma dor lancinante partia da minha zona cervical, irradiava pelo meu braço "mordendo" todo o antebraço e se instalava em dormência nos dedos da minha mão esquerda. A dor física era, de facto, muita mas... a minha “alma” sentia-se feliz ao ver e ouvir, ao vivo e a cores, a Joan Baez, no concerto que deu nessa noite no Coliseu do Porto!!!

Sempre admirei a Joan Baez, sobretudo após a Revolução dos Cravos do dia 25 de Abril de 1974. E essa admiração deve-se não só à sua voz melodiosa mas também, e sobretudo, às letras das suas canções, que sempre revelaram uma personalidade lutadora e interventiva.
Ela cantava pela liberdade dos povos oprimidos, pelos direitos civis, contra o racismo, contra a guerra e… pela paz e amor. 
Eu identificava-me com tudo isso e tocava-me profundamente. 
Ao ouvi-la nessa noite no Coliseu não pude prender o pensamento que “voou” para o ano de 1978 e para a lindíssima vila de Monção. Numa noite também de insónias e do meu quarto que alugara na Pensão Central, contemplava com olhar triste o exterior e o céu estrelado que perscrutava através da janela. No meio dessa solidão, natural de quem tinha chegado há pouco tempo a uma terra desconhecida para dar início à minha carreira profissional, escutava, para me abstrair dos meus pensamentos, os rumores e murmúrios da rua e da Praça Deu-la-Deu Martins, enquanto ouvia várias canções da Joan Baez, nomeadamente Diamonds and Rust - Live.

Regressando ao concerto, e nesta ambiguidade entre a dor física e o prazer espiritual, apesar das dores que sentia fui desfrutando da forma como Joan Baez foi interagindo com o público, falando sobre várias das canções antes de as tocar e procurando integrar-se connosco sobretudo quando, de forma inesperada, começou a cantar, em português, o clássico de Zeca Afonso "Grândola Vila Morena", sendo acompanhada por todo o público que, por sua vez, lhe foi enviando para o palco vários cravos vermelhos. Vivi, emocionado, este momento empolgante.

Tenho um amigo, a quem chamo com afecto de "Grande Cronista", que viveria todo este episódio de forma pragmática, positiva e optimista considerando que ele constituiria apenas mais um ingrediente para a "Sopa de Pedra" que é a sua vida.
Por sua vez o mestre Agostinho da Silva diria que “o melhor é não fazermos muitos planos para a vida para não baralharmos os planos que a vida guardou para nós”

Já eu (e embora não seja um fatalista) só me apetece dizer: Porra! (E uns palavrões depois) Que merda... estas hérnias discais a chatearem-me... que não me deixaram desfrutar a Joan Baez... que não me deixam dormir e que não me deixam escrever confortavelmente...

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Em todas as ruas te encontro...


Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
 Mário Cesariny, in "Pena Capital"

segunda-feira, 30 de março de 2015

Autopsicografia...

Fernando Pessoa faz aqui a descrição do seu  estado espírito. É como se estivesse a escrever da própria alma!

O poeta é um fingidor
finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
na dor lida sentem bem,
não as duas que ele teve,
mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
gira, a entreter a razão,
esse comboio de corda
que se chama coração.                                                                                                                                    Fernando Pessoa

quarta-feira, 25 de março de 2015

O falar tripeiro...

Como todos sabemos a arte grafite é uma forma de manifestação artística em lugares públicos. É também uma forma de expressar os sentimentos e as  ideias do povo e a realidade das ruas.
No último post deixei aqui alguns exemplos com imagens pintadas nas caixas metálicas dos contadores da electricidade e da água que se encontram ao longo de toda a Rua das Flores, no Porto.
Hoje ficam aqui mensagens de outro tipo que fotografei exactamente na mesma rua. Desta vez os grafiters aproveitaram para expressar alguns dos “bitaites” de cariz popular que os portuenses dos bairros mais típicos da cidade (conhecidos entre nós por “tripeiros”) usam no seu dia-a-dia. É a “linguagem tripeira” no seu melhor! Ou a linguagem “murcónica”, como diria o Dr.JúlioMachado Vaz, grande benfiquista e natural da cidade do Porto!



segunda-feira, 23 de março de 2015

A arte do grafite na Rua das Flores...

No sábado passado fomos passear para a baixa da cidade do Porto, aproveitando o dia de sol e sem vento, que têm sido raros aqui no Norte do País!
Tinha visitado recentemente esta parte da cidade com o meu grupo de amigos “5.com” e ao transmitir à Amélia a boa impressão causada ficou desde logo combinado irmos lá os dois. E fomos!
Ao descermos a Rua das Flores sentimo-nos autênticos turistas nesta cidade que tão bem conhecemos desde sempre. Apesar de ainda existirem, aqui e ali, obras de requalificação, ela apresenta, de facto, uma nova cara e muita animação. O ambiente que se vive actualmente é totalmente diferente. Muitos turistas, jovens, casais e grupos que enchem as esplanadas, já para não falar nos "pitéus" que aparecem logo no início da Rua, mais precisamente na Taberna do Largo, que anuncia à porta vinhos e petiscos, queijos, enchidos e muitos outros produtos regionais portugueses. Só o cheirinho convida a entrar e a… petiscar!
Continuando a descer a Rua comecei a prestar mais atenção ao trabalho feito pelos graffiters, esses artistas, que ao aproveitarem as caixas metálicas (e inestéticas) dos contadores de energia e de água para aí deixarem a sua arte urbana, melhoraram e interferiram positivamente na reabilitação desta Rua.
Deixo alguns exemplos.
 

terça-feira, 17 de março de 2015

Beco

Hoje deixo este poema em forma de pensamento (ou... este pensamento em forma de poema), de Luís Lameiras. 
A imagem ilustra também o meu "estado de alma" em determinados momentos :-(

Estou aqui prostrado,
sozinho,
metido no ninho
mais assombrado
que há no universo!
O meu pensamento
é endiabrado
e é perverso!
Incute-me um sentimento
de homem despedaçado,
que nunca irá ter sucesso!
E eu, penso seriamente
nisso.
E eu, desgraçadamente,
penso que nasci, na alma, remisso
e que nunca me irei encontrar!
E quanto mais 
o tempo passa
maiores são os sinais
desta maldita ameaça.
E eu, permaneço aterrado
e o meu coração não aguenta.
E eu, sinto a garganta
ressequida e completamente desolado.
Se eu pudesse desaparecer
sem deixar rasto
era o que eu fazia!
Mas não! Vou continuar a enlouquecer
(neste cantinho nefasto),
nesta enferma fobia
até me ausentar de ser!

Luís Lameiras